O caminho do observador
Nas aulas de história da arte aprendíamos a interpretar as obras. Elas era projetadas e a professora falava sobre o estilo, a técnica, composição, iluminação, formação triangular e os pontos focais. Elas eram desmembradas e racionalizadas. Por fim, não sobrava muita coisa e o olho estava treinado a ver o que era objeto de estudo, nada mais.
Mais tarde, as visitas aos museus eram de contemplação. Era deslumbrante estar frente a frente com obras que a professora havia apresentado nas aulas. Poucos segundos de observação bastavam e eu seguia para a próxima. Por fim, ficava entediante. Mas durante a contemplação, percebia que as sensações eram diferentes e dependiam das obras que observava: ora era atração, ora repulsão ou indiferença, independente do estilo.
E isso continua acontecendo todos os dias. Em qualquer ambiente que tenha uma obra exposta – seja num muro ou num quadro pendurado – as sensações permanecem.
Quando me deparei com a obra Gelb-Rot-Blau (amarelo-vermelho-azul) de Wassily Kandinsky, 1925, no Centre Pompidou em Paris, houve um grande impacto emocional e senti algo novo. A obra conversava comigo em outro nível e sensibilizava-me de uma forma profunda. Fiquei um longo tempo observando, sendo transportada para dentro em meio a um transbordamento de emoções. E não podia olhar partes isoladas, o que me chamava era a obra completa.
Olhar além do que se vê
“Projetar a luz nas profundezas do coração humano, eis a vocação do artista”.
Robert Schumann
No seu livro “Do Espiritual na Arte”, Kandinsky apresenta suas reflexões e experiências sobre a vida espiritual que se revela na obra de um artista. Segundo ele, a arte pertence à vida espiritual e é um de seus mais poderosos agentes. “Traduz-se num movimento para frente e para o alto, complexo, mas nítido e que pode reduzir-se a um elemento simples. E o próprio movimento do conhecimento. Seja qual for a forma que adote, conserva o mesmo sentido profundo e a mesma finalidade.”
Também existe a categoria de arte que não sensibiliza o espectador, a chamada “arte pela arte”. Segundo Kandinsky, são as telas bonitas e sublimes, mas que sufocam a ressonância interior. Ou seja, uma dispersão inútil das forças do artista.
Ele mostra afinidades entre a música e a pintura, dizendo que ambos têm acesso direto a nossa alma. Formas e cores são entidades espirituais e que possuem conteúdos interiores. O objeto material desaparece gradativamente na sua pintura, pois o mundo espiritual e suas vibrações são abstratas. O abstracionismo surge no caminho da essência interior.
Kandinsky enfatiza a importância das formas como uma maneira de se comunicar com o espectador. Ele acreditava que essas formas eram uma maneira de evocar emoções e criar uma conexão entre a obra de arte e o espectador. Para ele, a cor e a forma eram elementos fundamentais da arte, e as formas supracitadas poderiam ser usadas para expressar emoções e ideias de uma maneira mais poderosa do que as palavras.
Hilma Af Klint, artista contemporânea a Kandinsky e pioneira no abstracionismo, também foi em direção ao mundo espiritual. Ela pintava o que os olhos não podem ver. Suas obras ficaram guardadas por 50 anos até a humanidade estar preparada para entrar em contato com elas.
“O homem é sempre atraído, e hoje mais do que nunca, pelas coisas exteriores, não reconhecendo de bom grado a necessidade interior”.
Wassily Kandinsky
Segundo Kandinsky, os artistas devem mergulhar em busca dos tesouros invisíveis para erguer a pirâmide espiritual que chegará ao céu. Não é a imitação da natureza nem dos objetos e sim, o que a alma do artista entregará para a alma do observador. Jamais uma obra será igual a outra, por mais semelhante que seja, pois as almas são únicas. Através das cores e das formas, o objetivo do artista é obter a alma da vibração certa. E essa vibração ressoa e eleva a humanidade.
O Princípio da Necessidade Interior de Kandinsky diz: “A alma humana tocada em seu ponto mais sensível, responde”. Esse é o tesouro que a arte entrega a cada ser humano, no seu tempo. Cada forma e cada cor, com suas respectivas ressonâncias, não podem ser vistas de maneira independente, elas formam uma harmonia. Sua combinação faz com que sejam transformadas em outras entidades, que mudam o efeito causado no observador. É uma troca constante entre observador e observado, mas que entrega para a alma e nutre o espírito da época, elevando-o. Por isso, quando a obra não cumpre com o princípio da necessidade interior, ela não toca, não sensibiliza e não conecta o homem ao mundo espiritual.
O que recebemos dos artistas filhos da nossa época? Seus olhos estão abertos para a vida interior e ouvidos atentos à necessidade interior?
Maura Régia Ritt
Artista gráfica de formação e CEO da Koodari, atuando há mais de 17 anos na área de design digital. Estudante das lições de técnicas iogues da Self Realization Fellowship, fundada por Paramahansa Yogananda. Artista em desenvolvimento, utilizando a aquarela como base para a expressão da alma e do invisível.